04 março 2013

28 março 2010

Das lágrimas caem-me os olhos.

Das lágrimas caem-me os olhos. Já não vejo, mas sei que há peças espalhadas por toda a parte, por todo o meu mundo. Talvez uma bomba, uma intempérie, uma tempestade os assulou. Eles, os dispersos por toda a parte, uns jazem com um sorriso ensanguentado pelo rasgo nos lábios aparentemente de tanta felicidade. Os outros boiam em tinas de líquido lacrimal. Há pedaços, há partes por toda a parte de mim.  Há fumo, há neblina, há uma, há duas mãos que seguem à minha frente e com elas, ainda mais há frente um desejo, qualquer, que ainda não percebi qual é. Talvez o de encontrar uma a uma, talvez o de sair daqui, seja aqui onde for, para fora. Fora e dentro, fora e dentro, o meu ar não faz mais nada agora que não seja respirar. Fora e dentro. Fora e dentro. Há dentro de mim uma dor esgazeada que me sai do coração e chega às mãos. Sai das mãos e chega aos olhos, que aos molhos, me caem das lágrimas.

Imagem: "Femme qui pleure" de Pablo Picasso

27 março 2010

O meu amor está preso

O meu amor está preso.
O meu amor vive entre o silêncio dos que não vêm. Vós que não vêm... Está preso.
O meu amor fez das grades a sua familia... e são tantas... são demais... as grades, a família... Está preso.
O meu amor vê a luz das fracas estrelas em traços ditos de amor... apreendidos como amor... Está preso.
O meu amor chora ao deitar. A sua prisão não tem fundo. É um poço... Está preso.
O meu amor aquece-se às vezes, com o sol que lhe empresto, rouba-lhes o pano e cobre-me de breu... Está preso.
O meu amor fecha-se e manda fora a chave. De noite a procuro, de madrugada lha ofereço... todos os dias... Está preso.
Outravez... O meu amor adormeceu. Dei-lhe tudo... até este espelho e hoje a ele pergunto... afinal que homem sou eu?

Imagem: "Bird Cage" Painting by Hiroko Sakai

22 março 2010

Hoje estou revoltado com os químcos.

De tanto conhecimento que se julga ter, ainda não foi possível purificar e isolar a maldade num tubo de ensaio. Aí, pura, dá-la a provar em gota aos homens para que estes a sentissem e podessem rejeitá-la imediatamente sempre que esta se aproxima dos seus corações.

15 março 2010

A casa dos bicos

A minha casa tem bicos. Do chão crescem bicos como flores à volta deste carreiro. Das paredes aproximam-se de mim bicos, como bolores. O tecto fá-los descer silenciosamente pelo espaço que existe até à minha cabeça. A minha casa é a casa dos bicos.

Todos os bicos picam e os seus arranhões têm um ardor metálico e cortante na minha carne. Estou ferido. Estou ferido há anos, a minha imagem é uma imagem ténue e grotesca, debilitada do que já fui quando todos estes bicos não me picavam. Faço a minha vida no pequeno corredor onde os bicos não chegam e tornei-me exímio em não lhes tocar. Hoje quase que tenho uma vida normal na minha casa, na casa dos bicos. 

É tão bom não me picar. Às vezes gostava de ir passear,ir apanhar sol, ver as crianças a brincar no jardim, tal como antes destes bicos começarem a crescer. Mas não. Não vale a pena tanto sofrimento só para chegar à janela. Assim é menos mau. Não vejo, ou sinto o sol, nem estou com as outras pessoas, mas pelo menos não me pico, não sangro. É tão bom não me picar. 

E se sangro a culpa é minha. Afinal que de tão importante pode justificar que eu me magoe com estes bicos? Eu não sei que eles lá estão? Então porque insiste a minha cabeça em querer levar-me a sítios onde não posso chegar? Só me faz sofrer, só faz com que me pique. A culpa é minha é toda minha. Não me pico se não desejar, se não quiser saber mais, se não quiser viver fora deste corredor. Então já sei o que tenho de fazer na minha vida.

Eu sei que picam, que me ferem, que me fazem sangrar... mas às vezes tenho ganas de correr pelo mais longo corredor que conheço e atirar-me contra eles. Acabaria o sofrimento? Ou será que ficaria incapacitado, a sofrer indefinidamente, com uma vida pior que a que tenho? Não sei. Só sei que se seguir por este carreiro há muito delimitado não vou morrer, nem me vou picar, mas será que vou viver?

22 dezembro 2009

...o grito ao contrário

É de fora para dentro. É sonoro mas não se ouve.  Insufla e não alivia o coração. Asfixia pelo ar e não pela falta dele. Não desabafa, gera tensão. É um apelo, mas ninguém acode. Vem de uma vida no seu contrário e que gera... o grito ao contrário.
Reflexão sobre solidão, agonia e paixão.
Imagem:  Edvard Munch - Skrik (O grito)

06 dezembro 2009

Solitaire

Parece-me a mim que na origem da solidão estão as mágoas. "Tu magoaste-me.", "Disseste-me uma coisa muito má.", "Ofendeste-me.", "Não quero estar mais contigo ou falar contigo.", "Vou para longe de ti" para evitar que me voltes a magoar.

E o que é que faz um ser humano magoar-se com uma palavra? Uma palavra não tem poder para magoar fisicamente. Então o que é magoado? Fisicamente quando me magou-o existe uma alteração do meu físico. É essa alteração não saudável que dá origem à dor e esta no tempo prolonga-se em sofrimento. Psicologicamente eu também tenho uma ideia de mim e de como eu gostaria de ser. Estou bonito, estou feio, sou inteligente, sou simpático, sou... Eu caminho e comigo levo a imagem que tenho de mim. Se alguém se cruzar comigo e me disser algo que me magoa profundamente, então afasto-me dessa pessoa. Crio uma resitência a ela. É a imagem que eu tenho de mim ou a que desejo ter que é magoada. É preciso perceber isto para se perceber a natureza da solidão.

Nos dias de hoje, com a dispersão dos meios audiovisuais e de toda a tecnologia em comunincação, as informações são fáceis de chegar a cada um de nós. A publicidade a um produto chega a milhões. As boas e as más noticias chegam a milhões. As imagens das estrelas chegam a milhões. Os padrões de vida chegam a milhões. Então "eu" vejo uma imagem, essa imagem causa desejo e "eu" quero ter aquela imagem comigo, ou quero ser como ela. "Eu" vi na televisão uma pessoa bonita e feliz com aquele produto. Então "eu" vou comprar aquele produto. "Eu" vejo aquele homem sorridente a falar da sua felicidade. "Eu" também quero ser feliz, "eu" também quero ser como ele. E assim se cria uma imagem de si próprio, através do desejo projectado em segurança no futuro.

Não interessa o quão distante estou dessa imagem ou que imagem "eu" tenho, mas "eu" desejo ser assim.  E se não for? "Eu" já sei que para ter aquela imagem que "eu" vi e que desejo "eu" preciso de ser belo, ou rico, ou conhecer determindas pessoas, ou fazer um determinado processo que alguém fez para conseguir chegar a um fim. Mas "eu" não sou belo, ou não sou rico, ou aquela maneira de fazer algo não resulta comigo. Ou continuo obcecdamente a tentar chegar ao objectivo através do desejo limitando a minha actuação perante a vida ou desisto e fico inseguro porque não sou quem eu me habituei a desejar ser e até já me via a ser. 

Quando o desejo se afasta muito da realidade de cada um existe a frustração que traz a insegurança de não conseguir e constroi-se uma imagem oposta à do sucesso. A imagem oposta ao sucesso é a imagem frágil. A imagem frágil de cada um de nós tende a defender-se para não ser magoada. É o ponto em que se levantam as defesas da imagem pessoal contra todos os que nos possam atacar essa mesma imagem. E qualquer um é um potencial inimigo porque é isso que acontece quando existe o medo do ataque eminente. A única maneira é afastar o inimigo, ou afastar-me do inimigo. É essa a decisão que gera a solidão.

E qual o problema de estar em solidão? Experimente-se a solidão e sinta-se o problema. Não o afastamento físico com relações à distância, mas sim a solidão. Quem experimentou a solidão, como eu, sabe que estar em solidão é um profundo sofrimento. Sabe que tudo o que se possa fazer nessa altura não mais é do que uma tentativa de fazer passar o tempo de forma distraída do problema real e que é: "Eu não tenho ninguém para partilhar este momento da minha vida em que estou só". "Nunca estar só" significa não ter privacidade e não é isso que pretendo dizer. Estar em solidão é uma vontade do outro sem que o outro esteja disponivel por qualquer razão, inclusivamente por não existir. O sofrimento acontece quando existe esta incapacidade de anular indisponibilidade ao longo do tempo.

Em solidão tem de se ter actividade. Tem de se fazer parecer que há actividade na nossa vida se não... sente-se a solidão. Ouve-se música e faz-se passar por quem não se é nas relações virtuais se não... sente-se a solidão. Se nos distraímos ela faz-se notar.

Aparentemente de forma contraditória, não creio que se deva fugir da solidão. Não creio que se deva abafar o silêncio com músicas ou programas de televisão, ou inventar tarefas que nos façam acrescentar utilidade à imagem que temos de nós mesmos. Só mergulhando na solidão poderá haver o encontro da realidade, do que "eu" sou, com a imagem de "mim" próprio. Se tal não acontece é porque há fuga entre o "eu" que sou e o "eu" que desejo ser. É porque há engano. Só com a noção da imagem real que se tem se pode partir para relações que são baseadas em verdade. Só essas é que nos afastam o medo de ser como somos, com isso vem a segurança, com ela a confiança, a partilha e por fim dimunuiu-se a solidão.

O novo produto que tenho hoje para si é o "Solitaire". Traz uma boa dose de tristeza e muitas sementes de ansiedade. Traz ainda um CD sem qualquer som, um DVD sem qualquer imagem e uma enciclopédia sem qualquer conhecimento. E para os momentos de maior solidão um fantástico baralho de cartas para poder jogar sozinho a ouvir o seu CD e na companhia do seu DVD e cujas regras poderá aprender na enciclopédia. Para ganhar e ser feliz assim basta esgotar-se em trabalho e querer encher a sua casa de tudo o que houver para comprar. Vá lá! Não é assim tão dificil. Basta participar e vai ver que é fácil ganhar. Solitaire!!!

Texto dedicado a Prof. Raquel Gonçalves-Maia

04 dezembro 2009

A familia Umbaraço!

Existe uma casa onde todas as pessoas que fazem parte dela tem apenas um braço. A casa da familia Umbaraço. Nessa casa todos precisam de todos porque só aos pares se sentem completos, o que lhes causa um certo embaraço.
A dona de casa apenas com um braço levanta-se e vai acordar a sua mãe para pedir o seu braço emprestado para esfregar os olhos e ver o relógio. Ambas se juntam e vão ao quarto do pai porque o relógio está no braço dele. O pai levanta-se e junta-se ao braço da filha para acordar a neta, a princesa Zaha. O braço da mãe abana a cama, o braço do avô mostra o relógio e a avó aponta para as horas.
Todos se separam e todos se juntam.
O avô tem a faca, a avó o queijo. A mãe o pão, a filha o sumo... da vida.
Todos se alimentam todos se contentam.
Todos vão às suas vidas.  Às vidas típicas de quem tem apenas um braço. Conduzir é complicado. Trabalhar é complicado. Enfim, viver é complicado. Toda a familia vive triste e enfastiada porque o mundo está injustamente feito para quem tem dois braços. Felizmente que para falar ao telemóvel só precisam de um braço. Na familia com um braço todos se telefonam vezes sem conta a contar as suas desventuras. Todos se telefonam, todos dizem o mesmo "A falta que o teu braço me faz. Ainda bem que existes. Não poderia viver sem ti."
Na casa da familia com um braço toda a gente depende de toda a gente.
À noite todos se juntam mas ninguém tem nada para contar porque passaram o dia a telefonar. À noite vêm a novela, de braços cruzados, em silêncio para ninguém se perturbar. Todos se olham de suslaio para ver se alguém precisa do seu braço. Quando um se levanta todos os outros se levantam para oferecer tudo o que tem... o seu braço.
O avô diz que está na hora de deitar e mostra o relógio. A avó aponta para as horas, a mãe indica o caminho, a neta pede um braço para se levantar do sofá. Todos rezam aos pares antes de se deitar para poderem juntar as mãos.
Todos rezam, todos imploram.
A mãe e a filha deitam os avós, a filha deita a mãe.
Todos se deitam, todos sonham.
Agora em solidão a princesa Zaha olha-se ao espelho e admira o seu corpo elegante, perfeito. Debaixo do seu vestido deixa ver o seu braço escondido e em simetria deixa cair as primeiras lágrimas de um pranto diário. Chora por ter dois braços, chora porque tem de o esconder. Chora porque não pode mostrar a quem ama como é. Como se sentiriam todos se soubessem que ela tem dois braços? Chora porque não precisando do braço de ninguém tem de viver como se não o tivesse. Chora porque vive toda a sua vida numa dependência que poderia não existir.
Deixemo-nos de tristezas. Hoje é dia da familia só com um braço receber os tios e primos que só têm um dedo.
(Texto que pretende proporcionar uma reflexão entre amor e dependência.)
Um agradecimmento muito especial ao "Jota" por partilhar comigo a sua história com a sua princesa Zaha.
Imagem: Pablo Picasso - 1904 - A rapariga com o corvo.

01 dezembro 2009

NADA resiste a TUDO.

O meu corpo envelhece, as rugas aumentam, as cicatrizes que não se vêm também. Tudo anda. Tudo muda, tudo permanece à erosão da areia transportada no vento dos segundos que passam. Tudo.

"Quando te apaixonares. Vais ver... a paixão resiste a tudo." Apaixonei-me. Deixei-me levar no rio sem querer pensar. Encharquei-me, bebi da nossa água. Quando dei por mim nadava sozinho. Quem eu mais queria tinha ficado na margem. Quem eu mais queria agora olhava-me em pranto. Quem eu mais queria fugia agora para a "segurança" do bosque. Percebi que a nossa paixão não resistia ao medo.

"Isso é porque não tens fé. A fé resiste a tudo." Atingi a margem, estendi-lhe a mão e assim adormeci. Toda a fé que tinha coloquei no meu braço, na minha mão. O sol enxugou a chuva e a chuva matou a sede ao sol. Não podendo correr atrás de quem me foge tive de seguir o meu caminho. Percebi que a fé não resistia ao tempo.

"Isso é porque não amas. O amor resiste a tudo." Amor foi o ar livre da montanha que nos respirou. Amor foi o primeiro calor que sentimos nos nossos lábios que se tocaram por vontade. Amor foi o nosso rosto de cada vez que os nossos corpos se fundiram em actividade. Amor foi... Amor é... esta recordação que tenho.

Sim, o amor resiste a tudo ENQUANTO o mEU amor EXISTIR.

Imagem: BBC Planet Earth - Deserts - Egypt's white desert

25 novembro 2009

"Truth is a pathless land."

Frase original de Jiddu Krishnamurti que trago comigo. Frase que me vem à memória de cada vez que o meu amor me diz que este não é o caminho.

Jiddu Krishnamurti - www.jkrishnamurti.org

05 abril 2009

Simply don't fit.

A minha mãe queria que eu fosse carteiro. O meu pai queria que eu fosse advogado. Ambos queriam que eu estivesse mais presente...

O meu patrão quer que eu trabalhe mais. Que faça mais horas e que desenvolva mais projectos...

A minha colega de trabalho quer que eu seja bonito... e rico... e...

Eu devia ser advogado do sindicato dos carteiros, que ficaria no apartamente ao lado dos meus pais. Trabalhar horas a fio e ser desligado do dinheiro para poder gastá-lo todo em prendas para a minha colega de trabalho que certamente passaria a ver em mim um homem bonito. Mas não sou. Acho que Simply don't fit.

30 março 2009

Sentido Obrigatório!

Tenho um sentido obrigatório no tecto para me levantar, um outro que me aponta o relógio... um sentido obrigatório em todos os cruzamentos por onde passo e que me conduz sem erros até ao trabalho. Aí vários sentidos apontam no sentido de trabalhar e todos eles apontam para mim. 

Apetece-me levantar mas há um sentido obrigatório para baixo. Apetece-me distrair mas um sentido obrigatório aponta-me ao que tenho de fazer. Apetece-me respirar mas um sentido obrigatório obriga-me a conter. Apetece-me sorrir mas um sentido obrigatório...

Quando me apetece viver-me estranhamente todos os sentidos obrigatórios desaparecem e não sei por onde ir. Talvez porque ainda não encontrei o meu sentido, talvez porque desta forma não faça sentido.