
Imagem: "Femme qui pleure" de Pablo Picasso
Sou... Alma, Engenho, Imaginação, Objectividade..., Humano.
Imagem: "Femme qui pleure" de Pablo Picasso
Imagem: "Bird Cage" Painting by Hiroko Sakai
Hoje estou revoltado com os químcos.
De tanto conhecimento que se julga ter, ainda não foi possível purificar e isolar a maldade num tubo de ensaio. Aí, pura, dá-la a provar em gota aos homens para que estes a sentissem e podessem rejeitá-la imediatamente sempre que esta se aproxima dos seus corações.
A minha casa tem bicos. Do chão crescem bicos como flores à volta deste carreiro. Das paredes aproximam-se de mim bicos, como bolores. O tecto fá-los descer silenciosamente pelo espaço que existe até à minha cabeça. A minha casa é a casa dos bicos.
Todos os bicos picam e os seus arranhões têm um ardor metálico e cortante na minha carne. Estou ferido. Estou ferido há anos, a minha imagem é uma imagem ténue e grotesca, debilitada do que já fui quando todos estes bicos não me picavam. Faço a minha vida no pequeno corredor onde os bicos não chegam e tornei-me exímio em não lhes tocar. Hoje quase que tenho uma vida normal na minha casa, na casa dos bicos.
É tão bom não me picar. Às vezes gostava de ir passear,ir apanhar sol, ver as crianças a brincar no jardim, tal como antes destes bicos começarem a crescer. Mas não. Não vale a pena tanto sofrimento só para chegar à janela. Assim é menos mau. Não vejo, ou sinto o sol, nem estou com as outras pessoas, mas pelo menos não me pico, não sangro. É tão bom não me picar.
E se sangro a culpa é minha. Afinal que de tão importante pode justificar que eu me magoe com estes bicos? Eu não sei que eles lá estão? Então porque insiste a minha cabeça em querer levar-me a sítios onde não posso chegar? Só me faz sofrer, só faz com que me pique. A culpa é minha é toda minha. Não me pico se não desejar, se não quiser saber mais, se não quiser viver fora deste corredor. Então já sei o que tenho de fazer na minha vida.